terça-feira, 22 de julho de 2014

Vapor, Segredos e Sangue


A Queda do Assassino

Os alarmes silenciosos haviam sido disparados, e o Marcador pulou pela janela transparente do mais alto prédio de Torraltas.
O vento tosquiava qualquer melodia bruta em volta da orelha boa de Bemo, e o único item a ser protegido era a adaga. Ao alcançar seu bolso esquerdo, sentiu aquele imundo e indesejado sangue que lembrava-o do Desígnio que o levara àquela fuga improvisada... e toda a culpa e remorso que se seguia.
Mas a queda livre não era a maternidade mais propícia para lágrimas, então prosseguiu se lembrando de como voar.
“Lembre-se da leveza das nuvens, aspirante”, era o conselho de Mestra Perla, mas ele não conseguia deixar de pensar em morte.
A aproximação a cada momento mais veloz do solo despertava lembranças – seu amor por Jorem, sua vontade de ser aceito entre os Marcadores, a primeira vez que sentiu alguém por dentro... – mas a desencarnação era uma preocupação mais urgente que seu filme mental pré-cadavérico.
“Penso em nuvem, sou leve, sou nada.” – ele, não verbalmente, mantrava – “Penso em nuvem, sou leve, sou nada. Penso em nuvem, sou leve...”.
Quando percebeu que o chão nada fizera para atender suas preces – não valia mais que qualquer divindade dos teólogos mais nobres, aquele chão –, Bemo tentou repetir os segredos-de-alma em voz audível, falhando miseravelmente. À primeira abertura de sua boca, o vento colaborou para rasgar seus pensamentos e, acreditava, fê-lo presenciar (e experenciar) o primeiro caso de engasgamento por ar.
Se não tivesse aceitado aquele primeiro Desígnio, se não tivesse se juntado aos Marcadores... se sequer escutasse quaisquer conselhos daquilo que denominava consciência, não morreria esmagado contra o chão.
Mas Bemo estava inquietantemente próximo da inexistência.

Fim de capítulo

Comece pelo fato de que mortos não escrevem autobiografias.
A partir disso, pule para a conclusão: “se mortos não escrevem livros, o responsável pela escrita – inclusive do próprio fato de que literatura do além não pertence ao conjunto dos escritos factíveis - é alguém vivo”.
Correto!


Se começamos inferindo que a morte é uma impedidora da escrita – e de muitas outras coisas (inclusive a vitalidade sentida ao experimentar, em suas mãos, o sangue de alguém marcado para morrer correndo sobre sua adaga como um grandioso rio percorre seus vales para desembocar em qualquer oceano infinito – no caso o desfalecimento) –, a leitora ou o leitor pode se perguntar: “Pois qual o motivo de abruptamente me dizerem isso no meio de uma leitura?”, e sua própria perspicácia (assumo aqui estar me dirigindo a um intelecto digno das Grandes Universidades de Cittastela) o responderá: “Claramente foi um jogo metalinguístico para que eu compreendesse que o personagem, Bemo, não morre, e quem se dirige a mim é na verdade o próprio!”
Parabéns, hoje você está certa ou certo como a flecha de um Marcador na direção de uma testa mal avisada e, em breve, mal irrigada!
Já que toda a compreensão sobre do que se trata este exercício que estamos fazendo aqui e quem é o responsável por tal empreendimento, analisemos as minhas raízes (mantendo em mente todos os fatos implícitos e explícitos daquela primeira seção logo acima, claro!):

A Gênese de um Marcador

Verdana MontanBella e Freiddo MontanBella (solteiro, Freiddo Dramecom di Cittastela) conheceram-se em uma feira da capital. Ele vendendo especiarias e ervas; ela comprando componentes para um chá que auxiliaria seu filho com a pneumonia.
Viúva, tinha como única lembrança de seu casamento Jorem, um garoto frágil que a cada mês parecia inventar uma doença nova para contrair – ou assim parecia a Verdana. Era nascida das montanhas próximas à capital (Cittastela), e sempre sonhara em estudar na Universidade Comercial para tornar-se Economista Chefe de alguma das corporações de algodão.
Na época do sonho, acabou por engravidar no primeiro ano de universidade, após eras estudando para tentar o ingresso e – seguindo o costume que ela simplesmente não compreendia – viu-se obrigada a trabalhar nos campos para sustentar o recém-marido e o filho, enquanto Streino Gioreno (nome de solteiro do tal esposo) cuidava de Jorem e assegurava o asseio do lar.
Já Freiddo era primogênito de um nobre comerciário de Cittastela – “O Tecedor” –, mas ao final de sua adolescência renegara a fortuna e passara a se virar por conta própria. Um proeminente vendedor de produtos importados do Leste, namorava a ideia de construir uma loja própria próxima ao distrito nobre (conhecido na cidade como Torraltas) de Cittastela.
Em breve, namorariam-se eles próprios – a estudante frustrada e o comerciante ascendente.

Fim do capítulo

Pois não pensava que eu narraria minha “Gênese” de fato, sim? Penso possuir fatos mais interessantes para trazer à tona que o coito de meus genitores.

O interessante de escrever a você é poder escolher minhas palavras cuidadosamente: vez em quando, nossa língua trai o cérebro ao falar um segredo tão escondido ou colocar, erroneamente, frases que nos fazem passar por tolos.
Mas, oh, a impecável escrita!

Pois bem, Bemo MontanBella - ou Quem Vos Fala, ou irmão de +Conde Jorem, tanto faz – nasceu após a interrelação entre os protagonistas dessa minha última passagem. Como veio a tornar-se um assassino?
Se acalme:

Laços de Sangue

A luz de um sol que não entendia nada de conveniência – afinal, se atrevia a querer despertar uma família de trabalhadores do algodão – adentrava sem pedir licença pelas persianas de vime retorcido de uma pequena choupana no meio das plantações. A casa da família, propriamente dita, era quiçá distante e certamente mais suntuosa e elegante. Quem os obrigara a dormir no Artel (construção de madeira onde guardavam-se os botões brutos e a máquina produtora de tecidos) fora ninguém mais que a noite: arrastara-se sorrateiramente antes que qualquer MontanBella se lembrasse de buscar as iluminárias da mansão principal.
E, em seu aniversário de treze, Bemo acordava em um chão de palha e cercado por paredes mofadas, caixotes lotados e máquinas de metal e vapor.
Como qualquer dia, ouviu sua mãe despertando portando as lágrimas usuais – fato este que se sucedia no cotidiano da família desde a primeira grande seca da região, que (aliada a golpes dos concorrentes de seu pai) auxiliou na alternância de tratamentos e olhares nos grandes eventos: ao invés de dirigirem-se aos MontanBella como “senhores” e olharem com uma inveja que dizia “reis”, as palavras agora chamavam-os “vocês” e os olhos acusadores gritavam “ladrões” (quando sequer convidados a bailes e festejos da capital) – mas o sol que batia em Jorem, ao lado, o lembrava que aquele não era qualquer dia.
Todo ano desde que se recordava como ser pensante, Bemo recebia um segredo novo de seu irmão mais velho em seu aniversário. Era uma promessa feita na infância: Jorem sempre fora o mais reservado da família, e não dividia muito de si. Com a curiosidade e preocupação inerentes a uma criança, Bemo insistia que seu fraterno lhe contasse o que ele sentia sobre diversas situações, do que ele gostava e, na adolescência e na fase adulta que começara havia poucos anos, o que estava acontecendo de importante em sua vida. Jorem lhe concedera isto: a cada aniversário do pequeno contaria uma nova crônica pessoal, e em troca Bemo não contaria para ninguém – senão, acordo desfeito.
- Ei.
Era Jorem.
- Ei, tonto, tô te vendo. Sei que já acordou. Vai, levanta. Quero te contar um negócio.
Bemo levantou-se como um raio e acompanhou seu irmão na saída aos campos, sem espaço em sua mente para fome, sede, ou ainda seus treze sóis-de-ano: ia receber um novo segredo!
Jorem aparentemente não estava assim tão ansioso.
- Pois, gripado, me diz o que for! – chamou-lhe Bemo, evocando o apelido que inventara, ainda criança, após saber da fragilidade do irmão mais velho quando bebê – Por que está quieto?
Mesmo sempre instigado pela perfeição da construção de frases de seu irmão desde pequeno, Jorem continuava calado, indeciso quanto a contar aquilo que tanto queria. Pensou em soltar um segredo falso, mas Bemo perceberia – e não era só isso: ele realmente queria dividir aquilo tudo com alguém que tinha certeza que não contaria nada.
Começou.
- Bem, feliz sol-de-ano, irmãozinho.
- Está bem, obrigado. Agora fala.
- Ah, Bemo, se lembra de quando podíamos brincar nos parques-de-vapor de Cittastela, da época em que almoçávamos e jantávamos em um lugar novo toda semana, sempre conhecendo desde mafiosos até poetas de Torraltas nas festas e ruas?
- Sim, senhor, gripado! E daí? Seu segredo deste ano é que está com saudade do dinheiro? Isso eu sei!
- Não... bem, sim. O que eu quero dizer, exatamente, é que em breve nós poderemos voltar a fazer tudo isso.
- Por quê? Tropeçou em minas de prata quando foi vender os tecidos anteontem?
- Você não percebeu que eu voltei sem nenhum tecido ontem à tarde, tonto?
Bemo não prestara atenção àquele detalhe. Se sentiu, de fato, um tonto. E seu irmão percebeu:
- De qualquer forma, não foi porque eu vendi todo nosso estoque. Há eras que ninguém mais compra nossos tecidos, desde que papai e mamãe foram difamados cidade afora, não é?
Bemo não estava entendendo nada!
- Mas, gripado, tenho dificuldade em entender aonde você quer chegar. Se não vendeu tecido, como voltou sem nenhum, e como teremos mais dinheiro?
Jorem suspirou.
- Bem, a questão é que eu falei aos nossos pais que vendi tudo, mas não vendi. E o segredo é esse!
- Que você não vendeu os tecidos? Que segredo mais sem graça!
- Não, tonto. O segredo é como eu vou ganhar dinheiro agora para nós todos!
O pequeno estava prestes a perder a paciência. Detestava os joguinhos de palavras de seu irmão:
- Fala logo o que é, gripado!
- Pois bem. Sabe os Marcadores?
Bemo olhou ao seu redor. Percebeu que o Artel estava a uma distância segura.
Gritou:
- Eu sei, sei, sei! Os assassinos! E daí? Fale logo! Por acaso encontrou algum no meio da rua e eles te deram dinheiro? Ou vai me dizer que se tornou um Marcador? Cospe logo as palavras, pois!
Um longo silêncio se instaurou entre irmãos.
E, assim, Bemo descobriu ser irmão de um assassino.

Fim de capítulo

Adiantarei alguns fatos para você afim de encorpar a história e expandir a compreensão da próxima, e última, parte:

  • Os Marcadores são uma organização secreta (que se esconde muito mal, uma vez que estão na ponta da língua de qualquer estudante, mercador ou político de Cittastela) de assassinos. Matam por contrato, mas não é qualquer contrato – a [pessoa] contratante precisa dispor uma parte intimamente importante de/para sua vítima em um altar específico, sussurrando os segredos-de-alma de invocação e segurando uma bolsa lotada de peças de ouro. Assim, para que tenha sucesso, a contratante necessita conhecer profundamente o alvo, além de possuir grandes somas nos bancos e ser treinada na evocação de segredos-da-alma. Nada que um ano ou dois não resolvam, se você realmente quiser que alguém morra.

  • Jorem, após acumular Desígnios (nome pomposo dos contratos de assassínio) e ouro suficientes para nos manter felizes até que eu me tornasse apto a ingressar em uma Universidade, mudou-se para a capital. Com a aptidão e carisma herdados de nosso pai, foi eleito Conde Jorem, o político responsável por, digamos, a lubrificação dos vapores e óleos daquela nossa pequena sociedade. Foi reconhecido por muitos como o melhor Conde que a Capital do Algodão já vira: grandes programas de distribuição de renda, projetos de expansão educacional e tecnológica (inaugurou a Escola do Vapor, maior centro de pesquisa em mecânica e termodinâmica da província!) – além de ser um galã sem qualquer esforço, admito. E, como todo aquele que tenta honestamente fazer o bem, Jorem cultivou uma horda de inimizades.

  • Já eu, desde o fatídico aniversário, queria seguir os passos de meu irmão: Universidade que nada, eu seria mesmo era um assassino!

Pois narrarei, finalmente, a história que precede a queda de onde partimos... que conta o meu primeiro (e mais triste...) Desígnio:

Quando o Sangue se Torna Vapor

Segundo Mestra Perla, voar era uma simples questão de não saber que está caindo, de errar o chão... e Bemo não achava ter escutado uma maior baboseira em toda a sua vida.
Os pistões de vapor das máquinas tecelãs faziam um barulho ensurdecedor na Sala de Treinamento dos Marcadores, onde os assassinos sempre aprendiam novos segredos-de-alma – Aspirante Bemo, como era chamado, já dominara em perfeição se transformar em sombra e transformar suas vítimas, mortas, em ar – mas agora parecia impossível se concentrar!
Protestou:
- Mestra, para este segredo não seria melhor treinarmos em um campo aberto? Já é o quinto dia, e nada! Esses sons não me permitem concentrar-me o suficiente.
- Aspirante, você sabe muito bem que termos escolhido a Sala de Máquinas como centro de treinamento é justamente para que você saiba se concentrar em qualquer situação, estressante e perturbadora que seja. Lembre-se da leveza das nuvens, Bemo!
Mas Bemo não conseguia deixar de pensar em morte: já havia dois meses que treinava entre os Marcadores – após cerca de um semestre na Universidade de Seda, conheceu finalmente alguém que pudesse indicá-lo, um colega chamado Toem. Não queria pedir favores ao seu irmão, que agora Conde via ser impossível dar-se ao luxo de quaisquer relações com sua antiga guilda. – e ainda não fora indicado a nenhum Desígnio.

...

O restante da tarde foi gasto para aprender aquele segredo-de-alma, sem sucesso. O máximo que atingiu foram segundos de levitação, levando-o a um estresse que transformou o aprendizado, aquele dia, numa impossibilidade.
Despediu-se rapidamente de Mestra Perla quando a primeira lua foi vista no céu, percebendo sua incrível fome.
Dirigindo-se ao refeitório, percorreu alguns dos infinitos corredores que davam ao covil principal dos Marcadores o nome de Labirinto - uma arquitetura planejada para que somente os membros do credo soubessem dos inúmeros esconderijos e rotas secretas em caso de invasão.
Escolheu uma rota que passasse pelo quarto de Toem, e encontrou-o também aflito por comida:
- E aí, aspira! Vamos matar... a fome? Heh-heh.
- Poxa, Toem, eu só não rio para não encorajá-lo a esse seu novo hobby de gracejos. Estou sim, também, indo comer. Vamos lá.
Caminhando, Bemo teve de perguntar.
- Como foi seu primeiro Desígnio?
- Por que pergunta, aspira? Tá ansioso, é?
- Não consigo parar de pensar nisso.
- Bem, se quer mesmo saber, te digo: a minha primeira vítima foi uma professora nossa.
- Madame Toste, foi você o responsável?
- Sim... e tive de cortejá-la para fazê-lo.
Bemo desconfiou da necessidade de deitar-se com uma idosa para que ela estivesse vulnerável à morte, mas não sentiu-se impelido a desafiar o amigo:
- Certo, mas como se sentiu?
- Foi uma pena... ela era uma ótima companheira de cama! Heh-heh.
- Você entendeu o que eu quero dizer, Toem.
- Sim, entendi... Ah, Bemo, não tem muito segredo. Eu sabia exatamente a quê estava me inscrevendo, sabe? Não tinha nenhum romance em minha cabeça, nenhuma fantasia sobre o que aconteceria. Eu teria que matar alguém... e matei. Pronto.
Embora Bemo também não cultivasse qualquer ilusão sobre o que deveria fazer, uma ansiedade e pressentimento ruins cresciam nele a cada dia que era ignorado pelos contratantes.
Em cada quarto, espelhos manchados de sangue seco mostravam aos seus respectivos Marcadores os contratos que lhe eram dirigidos. Bemo não tinha conhecimento de como cada contrato chegava a um específico espelho, mas sabia que os Mestres tinham pleno conhecimento das tarefas de cada um, e trair um Desígnio era o mesmo que trair toda a organização.
O restante da noite tratou-se de comida, sucos e discussões - e Bemo participou como alguém que não se encontrava, com pensamentos muito além.

...

A madrugada trouxe consigo os as imagens mais belas com que Bemo já sonhara, mas das quais não lembraria - seu sono fora interrompido por um zumbido.
Abrindo os olhos com dificuldade, viu seu espelho tentando formar imagens curiosas, e o sangue antes seco percorrendo sua moldura.
Vozes disformes eram ouvidas, e o Aspirante teve de se aproximar para distinguir as palavras.
Acendendo uma vela, sentou-se à frente do vidro e assistiu à imagem sintonizada em seu quarto.
Uma mulher que não era estranha a Bemo olhou em seus olhos pela placa refletora. Disse somente uma frase. A única frase necessária, e a que mais o assolaria. Uma única frase, com tanto significado por trás - um contrato.
Foi ela:
- Conde Jorem MontanBella.

E a imagem apagou-se.

...

Lágrimas moldavam suas bochechas enquanto coletava o equipamento: uma adaga, um arco curto e vestes leves seriam necessários. Seu irmão era um morador de Torraltas, um conde. Fazia bem para as pessoas... e Bemo precisava matá-lo.
Por que queria tornar-se um Marcador? Ganharia um bom dinheiro, claro... mas queria ser como o irmão. Sempre quis.
Já se encontrava no horário propício para a execução de um Desígnio, então foi aos trilhos subterrâneos do Labirinto e pegou um trem vertical ao distrito nobre de Torraltas.
Bemo não pensava na guarda do Conde ou no efeito de sua morte, tampouco nas inúmeras portas de aço ou sequer na identidade da contratante - saberia se esconder como sombra, se necessário, e matar quem quer que fosse... e destrancar portas era o primeiro segredo-de-alma que aprendera.
Só pensava em sua lâmina e no sangue que a percorreria em breve.

Os meses de treinamento de fato não foram inúteis: pistões de vapor permitiam sua entrada pelos portais do Prédio da Corte - morada dos políticos de Torraltas - com qualquer breve sussurro, e nenhum guarda se mostrava ser uma dificuldade.
Quando chegou à suíte principal, Jorem estava sozinho.
Bemo aproximou-se da cama. Pegou a adaga em seu bolso e, tocando-a na garganta de seu irmão...
Acordou-o.
- Gripado. Ei, gripado.
Jorem levantou-se tão surpreso que, se menos equilibrado, teria se matado contra a lâmina tão próxima.
- Bemo? O que tá acontecendo? Quê que é isso?
- Pois é, Jorem... eu sou um Marcador agora. Como você.
O Conde de Cittastela olhou-o confuso, mas não eram necessárias quaisquer outras palavras... assim como nunca se precisara entre os irmãos.
- Sabe quem foi, pelo menos? Que lhe contratou?
- Uma mulher ruiva, olhos escuros... uma tatuagem de pombo no pescoço. Achei já tê-la visto com você em algum lugar.
- Viu, sim. Um romance meu. Esta noite ela me disse muitas coisas, sobre amor e futuro... e eu disse não compartilhar daquilo tudo, ao menos não com aquela intensidade. Não se deve frustrar a nobreza, né? Uma noite de término... e ela já contratou um assassino. Meu irmão, ainda!
- Ela não me contratou diretamente, Jorem. Como saberia que eu me tornara um Marcador?
- É uma rouba-mentes ela, Bemo. Sabia meus pensamentos, e por consequência sabia que você havia me contado que queria se juntar à guilda que eu antes pertencera, então dirigiu o pedido a você para que eu me entristecesse ainda mais. Só pode ser isso!
Bemo refletia se seria o prospecto da morte que o enlouquecera ou se a distância transformara o irmão naquela criatura estranha.
Não quis nutrir as consequências da segunda hipótese, então manteve-se à primeira. Jorem não morreria sendo considerado um louco.

Chorando e não possuindo mais qualquer palavra para ser dita, Bemo abraçou o irmão com a canção mortal de sua adaga.
Sussurrou um último segredo em retorno a tantos do irmão:
- Seu corpo é vapor. Sua carne é ar. Seu sangue é vento.
E Conde Jorem inexistiu.

Fim de capítulo.

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